Crítica: El Camino é o epílogo ideal para uma das melhores séries da história

El Camino resgata o que há de melhor em Breaking Bad e nos velhos faroestes, além de trazer Aaron Paul em uma performance irretocável.

Longa é o ponto final de uma saga inesquecível

Apesar de ter acabado há pouco tempo, Breaking Bad já é um clássico. É o tipo de obra que marca a cultura pop e torna-se intocável, incólume em seu lugar na história. Mexer neste legado, portanto, é perigoso. Better Call Saul, por exemplo, se passa no mesmo universo e aproveita alguns personagens, mas não interfere no cânone. El Camino, entretanto, escrito e dirigido pelo criador da série, Vince Gilligan, é outra história: trata-se de uma continuação direta da série, trazendo pessoas e elementos centrais daquela que é uma das melhores coisas que a televisão já produziu.

Começando exatamente do ponto onde Jesse foi visto pela última vez, El Camino acompanha as horas decisivas depois da dolorosa fuga do cativeiro. Sem dinheiro e sem ninguém para apoiá-lo, Jesse recorre a Skinny Pete e Badger, que oferecem um pequeno auxílio em uma jornada que ainda tinha muito para se encerrar. A partir daí, fica claro que El Camino é um road movie clássico, uma trama objetiva e clara que parte do ponto A em rumo ao ponto B sem fazer concessões.

Filme evoca o cinema dos Irmãos Coen e os clássicos do western

Aproximando-se do cinema dos irmãos Coen, o filme da Netflix é como se fosse uma comédia de erros, mas sem as tiradas cômicas típicas (embora seja possível rir em diversos alívios). Jesse vai pulando de um lugar a outro enfrentando problemas cada vez maiores para conquistar o que é preciso para fugir da polícia e dos amigos daqueles que o sequestraram. Desta forma, o filme retoma algumas das melhores características de Breaking Bad que, em várias ocasiões, colocou os personagens para resolveram problemas enquanto o relógio girava sem parar.

El Camino, portanto, é uma corrida contra o tempo, uma história fechada e simples que amarra ainda mais os nós do programa original. Não se trata de um longa de ação ininterrupta, mas um faroeste carregado de tensão e catarse. As inspirações de Gilligan no western são tão claras que um dos pontos altos do filme é um duelo de armas típico do gênero. Desta forma, El Camino está muito mais para Matar ou Morrer (High Noon, um clássico do western) do que para os exemplares recentes da ação. É um produto feito à moda antiga, com toda a perspicácia técnica típica de Breaking Bad e seus estouros emocionais.

Aaron Paul se entrega à melhor performance de sua carreira

Explorando o cenário árido de Albuquerque, El Camino visita desertos e montanhas para reafirmar o isolamento e o vazio interno de Jesse Pinkman. Seja em flashbacks ou durante a fuga, o personagem não possui nada nem ninguém. Desta forma, o longa ressalta de forma dolorosa o descarrilamento brutal da vida de Jesse, trazendo o personagem frequentemente mergulhado em sombras ou com o olhar vazio. Deixando claro as sequelas físicas e psicológicas do cativeiro. Gilligan e Aaron Paul ressaltam os ataques de pânico, as cicatrizes no rosto, os tremores e lágrimas involuntárias.

Paul, aliás, entrega uma performance irretocável. Vencedor de três Emmys por Breaking Bad, o ator merece todo o reconhecimento por ser protagonista em El Camino. Trata-se de uma atuação precisa em um filme pesado, triste. Nas mãos de um ator menos talentoso, Jesse seria retratado por exageros, gritos e gestos. Com Paul, entretanto, o trabalho é cheio de nuances, garantia de alguém que conhece o personagem e o universo como a palma de sua mão. Note a mudança na postura do Jesse visto no filme e compare com aquela desenvolvida durante a série. Em aproximadamente dois anos, Pinkman se transformou, e basta assistir o confronto no clímax ou a discussão em uma loja para notar a força de um homem que não tem nada a perder e já não é mais o jovem indefeso que começou a produzir metanfetamina com o antigo professor de Química.

Referências à obra original povoam um filme visualmente rico

Quem também faz um ótimo trabalho é Vince Gilligan. Recheando o filme com referências e easter eggs, o roteirista jamais duvida da inteligência do espectador e confia que todos poderão acompanhar e encontrar as pistas e lembranças deixadas pelo caminho. Não se trata, entretanto, de uma homenagem descabida ao material original. El Camino é uma história que caminha com as próprias pernas e não funciona apenas em reverência à série. Desta forma, todas as referências são orgânicas ou bem humoradas (fique atento à tarântula e aos bonequinhos à sua volta) e funcionam no arco narrativo.

Para completar, Gilligan continua um diretor exemplar, criando sequências de tirar o fôlego ao passo que também constrói momentos intimistas e emocionantes. Toda a cena de invasão (que começa com um plano sequência) e tiroteio no terceiro ato é conduzida com precisão cirúrgica, amparada por uma edição irretocável. Outros momentos menores merecem a atenção e reconhecimento do público: quando Jesse liga para os pais, ele se apoia em uma parede com uma rachadura que parece sair diretamente de sua cabeça. Em outro momento, vemos Todd ajustando as calças, e logo sabemos porque elas não possuem cinto.

El Camino é o epílogo perfeito que mal sabíamos que precisávamos

El Camino não está entre os melhores capítulos de Breaking Bad, mas faz um excelente trabalho ao manter-se na média da série, que é altíssima. Em algumas vezes, o roteiro precisa recorrer a flashbacks e elementos que não foram mostrados durante a série e precisam ser criados do nada para fazer a trama avançar. Além disso, algumas coincidências soam forçadas, mas ainda funcionam graças à qualidade do roteiro e do elenco. Não chegam a ser tropeços, mas distanciam o produto final da impecabilidade da season finale ou de episódios como Ozymandias.

No fim, El Camino talvez não precisasse existir. O final de Jesse em Breaking Bad, ainda que aberto, era satisfatório. De todo modo, trata-se de um projeto brilhantemente executado que justifica sua existência assim que os créditos finais surgem na tela. El Camino é, em resumo, um epílogo. Um pequeno capítulo colocado no final de uma longa saga repleta de emoções. É o ponto final que faltava para amarrar uma das obras mais ricas que o audiovisual produziu nas últimas décadas. Você pode ler um livro e apreciá-lo sem ler o epílogo, mas a experiência se completa e se enriquece caso você gaste mais um tempinho para ler as últimas palavras.

Sobre o autor
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Matheus Pereira

Coordenação editorial

Matheus Pereira é Jornalista e mora em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Depois de quase seguir carreira na Arquitetura, enveredou para o campo da Comunicação, pelo qual sempre nutriu grande paixão. Escritor assíduo na época dos blogs, Matheus desenvolveu seus textos e conhecimentos em Cinema e TV numa experiência que já soma quase 15 anos. Destes, quase dez são dedicados ao Mix de Séries. No Mix, onde é redator desde 2014, já escreveu inúmeras resenhas, notícias, criou e desenvolveu colunas e aperfeiçoou seus conhecimentos televisivos. Sempre versando pelo senso crítico e pela riqueza da informação, já cobriu eventos, acompanha premiações, as notícias mais quentes e joga luz em nomes e produções que muitas vezes estão fora dos grandes holofotes. Além disso, trabalha há mais de dez anos no campo da comunicação e marketing educacional, sendo assessor de imprensa e publicidade em grandes escolas e instituições de ensino. Assim, se divide entre dois pilares que representam a sua carreira: de um lado, a educação; de outro, as séries de TV e o Cinema.

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